sábado, 31 de janeiro de 2009

Freeportem-se bem!!!

É o que apetece dizer após as notícias que têm vindo a lume nos últimos dias!
Vivemos num país onde estas pequenas coisas já não assumem os contornos de outrora.
Em tempos remotos, a classe política em Portugal tinha decência.
Tal como tinham vergonha todos os que ficavam a dever alguma quantia a alguém.
Nos dias de hoje, infelizmente, muitos fazem férias à conta do dinheiro dos outros, a quem pagam (quando pagam) tarde e a más horas.
Outros, por seu turno, consideram perfeitamente normal desviar, para proveito próprio, quantias a que nunca teriam direito.
Já não falamos na escandaleira dos altos ordenados pagos a uns, muitos de mérito profissional duvidoso, enquanto outros acabam por ter de se contentar com o ordenado mínimo nacional ou algo de muito próximo.
Não queremos, igualmente, referir a falta de atenção, por parte do poder político, à evolução negativa da economia mundial, com evidentes reflexos nas vidas de milhares de pessoas.
Falta de atenção talvez seja uma expressão infeliz, pois não creio que ela não tenha sido observada e prevista.
O que se passou foi algo de diferente: a inércia total do poder político, que só se preocupa com o seu bem-estar, quando é o interesse público, o interesse de todos nós, que deve ser o objectivo único a prosseguir.
Ser-se político, em Portugal, nos dias que correm, é ser-se inerte.
Não basta saber falar. Não basta dizer que se preocupam. Por muito que o façam, a imagem pública da classe está profundamente afectada.
Ninguém acredita, realmente, que um político esteja a exercer funções a pensar no bem de todos.
No fundo, ninguém acredita na política, por culpa dos que a praticam.
Já a pena de Eça de Queirós, em 1867, no Distrito de Évora, fazia surgir mágicas palavras que faziam ver que "todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o Estadista. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?".
Neste século XXI, cumpre questionar o que mudou desde então...
A resposta fica ao critério de cada um, mas não posso deixar de me espantar com mais esta trágica ou cómica (provavelmente ambas) situação que agora ocupa o tempo de José Sócrates.
Que se mostra indignado com a sua repercussão social, falando em aproveitamento político e disparando em todas as direcções a sua profunda indignação por se ver envolvido numa questão com contornos, no mínimo, muito estranhos.
Quando o que é estranho, digo eu, é não ter sido desde logo demonstrado que nada de mau existiu em todo o processo de licenciamento.
Mas estranha não é, ou não tem sido, a solidariedade demonstrada por muitos ao Senhor Primeiro-Ministro de Portugal.
Desde logo, o maior destaque vai para o Professor Diogo Freitas do Amaral, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo liderado por, pasme-se, José Sócrates, que agora vem a terreno defender com unhas e dentes aquele que o escolheu para ficar à frente de uma das pastas do Executivo, esclarecendo que não encontra, do ponto de vista do direito administrativo, qualquer irregularidade no processo que conduziu ao licenciamento do Freeport de Alcochete.
Esquece-se, contudo, aquele ilustre causídico que não é no plano do direito administrativo, mas sim no plano do direito criminal, que este caso poderá ter implicações.
Mais uma vez está em causa a integridade e a honestidade de pessoas que devem ser escolhidas pela forma exemplar como conduzem as suas vidas, precisamente para evitar que estas suspeitas de favorecimento, sempre através da entrega de vultuosas quantias em dinheiro, se acerquem das mentes de todos nós.
Custará assim tanto tratar todos os processos da mesma forma?
Ou vão atirar-nos areia para os olhos a todos convencendo-nos que a grande maioria dos processos de licenciamento de estabelecimentos decorrem dentro dos prazos e registam, como ficou tristemente consagrado em despacho judicial, tramitação invulgarmente célere como a do Freeport?
Perante os factos, Senhor Primeiro-Ministro de Portugal, cuja actuação no caso das dúvidas levantadas com a validade do seu diploma de curso nunca foi, a meu ver, totalmente esclarecedora (embora concorde que o mérito de uma pessoa não radica nos estudos que possui, mas sim na forma vertical como reconhece não os possuir e actua em conformidade com isso, sendo esse o grande valor de todos os que, infelizmente, não tiveram possibilidade de estudar mas gozam da grande experiência que apenas a vida lhes soube dar e andam na rua de cabeça erguida), muito me espantou que a primeira atitude que tomou, no presente caso, fosse mostrar um apego à cadeira do poder que não é normal, ou não seria normal, caso V. Exa. fosse um Estadista à antiga.
Tal como César fez com Pompeia, quando se levantaram suspeições pelo seu comportamento que levou à presença de um homem em celebrações a que só poderiam ter acesso elementos do sexo feminino, divorciando-se da mulher e proferindo o célebre dito, em resposta a questões que garantiam que ela havia sido honesta: "à mulher de César não basta sê-lo, tem de parecê-lo."
Infelizmente, este País não se restringe, sob o ponto de vista da política, ao triste exemplo agora referido e que se encontra na ordem do dia, mais um aguardando que os Tribunais façam o seu papel e consigam deslindar o que efectivamente sucedeu (se bem que, da maneira como as coisas andam, até a confiança do povo, fundamento da democracia, nos órgãos de soberania, anda pelas ruas das amargura).
Não!
Este cantinho à beira-mar plantado tem-se revelado um autêntico paraíso para a classe política, que se vê envolvida em apetitosos escândalos que se sucedem a uma velocidade vertiginosa, fazendo as delícias da comunicação social: será preciso recordar Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais ou Avelino Ferreira Torres, entre tantos outros?
A política, em Portugal, está contaminada.
Era preciso reciclar todos os políticos.
Enviá-los de novo para a escola, para que partissem do zero e percebessem que não se administram dinheiros públicos, nem se gerem organismos públicos, da mesma forma e segundo os critérios que utilizamos na nossa vida privada.
Pois se nela seguirmos princípios duvidosos ou menos escrupulosos...
Estava tentado a sugerir que os fizessem voltar, a todos, aos bancos da escola.
Só o não faço por saber que as escolas de hoje não são as escolas de antigamente, e, com tanta confusão que tem existido entre o Ministério da Educação e os Professores, não seria de esperar que estes se dedicassem, de corpo e alma ou com um mínimo de boa vontade, a ensinar Ministros e demais políticos.
Por outro lado, assim estaria a inverter a ordem natural das coisas, pois os políticos é que nos deveriam dar lições a nós, mostrando o seu valor, a sua honestidade, a sua decência, a sua postura, a sua liberdade (que não admita pressões ou sugestões na hora da decisão) e o seu perfil de homens e mulheres de Estado.
O que os tornaria, sem dúvida alguma, valorosos servidores do interesse público e faria com que o respeito pelas instituições regressasse, tal como a confiança na actuação política em Portugal.
Contudo, e voltando ao saudoso Eça, não me parece que tal seja possível.
Porque, como aquele valoroso escritor escrevia nas suas Notas Contemporâneas, embora talvez não por estas exactas palavras, para se poder ensinar há uma pequena formalidade a cumprir - saber!
Hic Hic Hurra

10 comentários:

Bandido disse...

Excelente blog o teu. Gostei muito doque vi por aqui. Continua o bom trabaho

Ana disse...

Infelizmente constatamos que os políticos, antes de pensarem em servir o país, pensam em servir-se a eles próprios.
É essa a mola que os impele a candidatarem-se a qualquer cargo.
Relativamente ao tempo do Eça, piorámos ligeiramente.
Hoje em dia, NEM "todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção".
O resto da citação ajusta-se perfeitamente à actual situação.

Entretanto, o mal não reside apenas nos políticos.
Apenas eles estão mais visíveis e, pensamos nós, deveriam dar o exemplo.
Mas todos os vícios apontados se encontram, em grande parte, nos cidadãos comuns para quem a batota, o pequeno furto, o "untar as mãos", a insolência, a falta de respeito para com os outros, a ganância, a inveja, a deslealdade, a falta de princípios, enfim, são o pão nosso de cada dia.
Melhor diria, de cada momento.

E continuarão a formar-se sucessivas gerações de monstrinhos, deficientemente educados e ensinados por pais e professores incompetentes.

Porque quem não recebeu, não tem para dar.

À sua!

Nero disse...

Pois, mais um pouco e dizem que a culpa desta coisa do Freeport também é minha!

Anónimo disse...

Carlos Cruz, ao ser apontado adedo por um ex-casapiano, desatou a percorrer os diversos palcos televisivos, de lágrima pendurada no olho esquerdo, para nos garantir que está inocente.
Sócrates fez o mesmo, desdobrou-se em comunicados e declarações. Ele e os seus peões de brega.É estranho.
Para mim, a nota mais clara de que ali há gato reside na forma como Sócrates explica o licenciamento, afirmando que foi tudo normal, um procedimento de rotina, nada acelerado.
Ora, ele poderia ter dito que, sim senhor, despachou aquilo mais rapidamente porque considerou ser um caso de excepção, de elevado interesse para o País.
Nós poderíamos discutir sobre a real importância do empreendimento, mas seria aceitável o entendimento do 1º Ministro.
Agora vir dizer que foi tudo normal...francamente...é dizer-nos que os burros somos nós.
E tal ousadia só pode despertar suspeitas...

Ticha disse...

O Eça tinha razão, toda a razão na sua descrição da sociedade e do mundo politico, só que piorou e muito, se cá voltasse morria de susto. Nós por cá não vamos ver melhoras, porque o que não têm para eles não podem dar aos outros, como diz a vizinha Ana. Primeiro orientam-se a eles e a sua esfera de influência e nunca esquecendo que esta vida é um banco de favores, veja-se o exemplo de Freitas do Amaral. Relativamente ao Freeport, mais um escândalo com este ministro, nunca se viu um primeiro ministro que levantasse tanta polémica como este....

Bottled (em português, Botelho) disse...

Red Eagle,

Muito grato pelas simpáticas palavras, que sabem sempre bem.

Venha visitar-nos quando quiser!

Hic Hic Hurra

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara vizinha Ana,

Dolorosamente real a descrição.

É um facto que a mentalidade actual do povo português não é a mais apropriada.

Não sou sociólogo, não conseguirei arranjar explicações para o sucedido em miscigenações ou em alterações comportamentais ocorridas em função das exigências actuais, mas sinto-o na pele todos os dias.

Estamos cada vez mais agressivos, até em simples e banais assuntos, respeitamos cada vez menos o nosso semelhante e, hoje, já se tira a vida a alguém com a mesma facilidade com que se bebe um copo de água.

Os tempos mudaram, é certo, mas não tem necessariamente de haver este resultado.

Temos de parar, saber conter os sentimentos negativos, e recordar bem o que somos, onde estamos e o que queremos ser para nós e para os outros.

Não é fácil, mas é o único caminho que nos leva a descobrir, verdadeiramente, as razões para as nossas condutas e comportamentos.

Para que, no futuro, os nossos filhos e netos, bem como os deles, ainda tenham um lugar decente para viver.

Hic Hic Hurra

Bottled (em português, Botelho) disse...

Caro Nero,

E não é?!!!

Pois muito me contas...

Hic Hic Hurra

Bottled (em português, Botelho) disse...

Caro inocêncio,

Nada na actuação do nosso Primeiro-Ministro poderá levantar qualquer suspeita!

E quem disser o contrário só pode fazer parte de uma força oculta que o quer prejudicar (será que a classe política também tem o "sistema"?).

Hic Hic Hurra

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara vizinha Ticha,

Infelizmente assim é!

Primeiro estão eles, depois eles e, no fim de tudo, eles de novo.

Os outros, coitados, que se amanhem, pois são mera estatística.

E os números, como se sabe, são fiéis, não fazem mal a ninguém!

Hic Hic Hurra