É curioso como tudo tem um fim.
Mas a verdade é que existem sinais de que não é, não será, propriamente um fim, antes um até breve.
Tudo indica que a cada ciclo que se fecha, outro lhe sucede.
Basta atentar nas estações do ano, onde vida e morte andam de mãos dadas, para todo o sempre, numa brincadeira que se repete a cada ano que vemos passar, com a vida que brota a cada Primavera a afastar a morte que o Outono anuncia, findo o Verão, e o Inverno vem selar, qual sentença sem hipóteses de recurso.
Porém existe recurso.
Pois a Primavera regressa.
Tal como eu quero acreditar que regressamos, um dia, e que nos voltaremos todos a encontrar, para celebrar a amizade que uma vida só se mostra insuficiente para cimentar, para dar asas ao amor que perseguimos após o primeiro suspiro, logo após a nascença.
Curiosamente, e já que de sentença aqui falo, e talvez de uma maneira mórbida, por vezes dou por mim a pensar que todos nós, quando temos filhos, assinalamos a alegria do nascimento (e, de facto, é isso que deve ser enaltecido), mas afastamos logo do pensamento uma verdade indesmentível: eis alguém que nos é querido, a quem demos vida e que, com tal dádiva, condenámos à morte.
Mas a morte, esse eterno mistério que amedronta e apaixona a raça humana, tem de encerrar apenas um capítulo de nossas vidas.
Nas sábias palavras de um Amigo (mais do que isso, na verdade, quase um irmão tal a afinidade e comunhão de pensamentos), que não ouso reproduzir literalmente, seria impensável que um acto tão belo, como é o que permite dar-nos a vida, não tivesse um propósito para além da própria vida.
Vida essa que temos de viver intensamente, eis um dos seus segredos, uma vez que ela se esgota ciclicamente e, apesar de haver indícios da sua repetição no tempo (outra noção difusa), desengane-se aquele que pensa que está livre desse destino que nos está reservado a todos, sem qualquer excepção.
Sabes, a vida é um caminho para a morte e, creio-o, esta é um caminho para uma nova vida, numa repetição eterna que apenas persegue um objectivo, que é o de nos dar aquela sensação de felicidade que apenas as coisas simples possuem, que resultam do acto de ser solidário, que resultam do amor que conseguimos dar aos outros, compreendendo que os outros são parte de nós, que resultam daquele arrepio que sentimos na alma que nos faz, por momentos, aproximar do extâse, que quase nos arranca lágrimas dos olhos, tal a intensidade e o fervor com que o sentimento brota em nós.
Sabes, de uma forma egoísta eu andei convencido que aqueles que eu amo e prezo, amei e prezei, estavam sempre do meu lado.
Sabes, ainda hoje não me consigo habituar que assim não é, que assim não será, pelo menos nesta vida, nesta minha vida.
Sabes, isso deixa-me profundamente triste, angustiado por não conseguir combater um flagelo, que é o de ver sofrer aqueles de quem gostamos, de me sentir impotente para travar destinos previamente traçados, o que me enche de frustração e raiva, sentimentos dos quais não gosto, tal como não gosto da palavra nunca ou da expressão não consigo.
Sabes, é quando estou imerso em toda essa tristeza que vejo que há, pelo menos, uma coisa que posso fazer, quando não me é permitido tomar as rédeas do destino dos que gosto. Recordá-los. A memória é, talvez, a parte de mim que mais utilizo. Quantas e quantas pessoas que amei, das quais gostei, já tive de ver partir. Quantas e quantas vezes me entristeço com esse facto. E sempre, sempre, tenho de arranjar forças para prosseguir, encontrar novos estímulos, acreditar em novas oportunidades, tudo isso que apenas o simples facto de estar vivo me possibilita fazer.
Sabes, é o facto de eu continuar vivo que me permite manter vivos, também, aqueles que já não o estão.
Enquanto eu viver, até que a minha hora chegue, até que o meu último suspiro se liberte deste invólucro que é o meu corpo, que tem um prazo de validade e está sujeito a inúmeras deficiências (longe vão os tempos em que eu achava que era inatacável, quase eterno, um super-homem a quem só faltava voar - e, se calhar, até o sou e consigo), hei-de sempre recordar com uma ternura e um carinho muito grande todos aqueles de quem gostei, gosto e gostarei.
Sabes, até à hora da partida para a grande viagem, faço questão que o bilhete que tirei seja utilizado até à exaustão e apesar de me custar muito perder-te, perder-vos, enfim, perder-me a mim mesmo também (pois perco sempre um pouco de mim nestas alturas), apesar do sentimento de inigualável e profunda desilusão por saber que não voltarei a abraçar, cumprimentar, beijar, rir, falar, tocar ou simplesmente trocar um olhar cúmplice aqueles que já se foram, espero ser digno na missão que me incumbiram: a de Vos recordar e honrar.
Sabes, estou novamente triste. Muito triste. Tão triste que as palavras que aqui deixo não conseguem adjectivar o que me vai na alma. É esse o problema das palavras, ficam tão aquém do que sentimos. Mas são a única forma que agora encontro para dizer que fica a saudade.
E que, sinto-o, um dia essa saudade que agora está bem viva em mim também morrerá, não por ela, não comigo, mas num reencontro.
Pois acreditarei sempre em finais felizes.
É a vida; tratemos dela o melhor que sabemos e podemos...
Texto dedicado a António Cagica Rapaz, um Homem como poucos, um grande Amigo, que foi encantar outros com a sua maneira de ser e de estar e, estou certo, se nos deixou a todos mais pobres foi enriquecer aquele lugar que fica para além da linha do horizonte no mar de Sesimbra, aquele local especial que não nos permite distinguir onde termina o mar e começa o céu. Não vejo necessidade de escrever, aqui e agora, o quanto a sua amizade foi importante para mim e o quanto dele gostava. Fiz questão de fazê-lo em vida e perante quem verdadeiramente interessava. Resta-me, pois, tirar-lhe o chapéu e tratar de cuidar da solidão que, de repente, passei a sentir.
2 comentários:
Meu caro Zé,
Nunca pensei ler aqui um texto que me fizesse chorar de tristeza, como o de hoje.
Sei, se sei quanto estas suas palavras são sentidas e verdadeiras!
Como sei também que, por mais belas que sejam, não chegarão para dar a exacta medida deste sentimento que hoje nos amachuca o coração.
Fui feliz por ter conhecido o nosso querido Amigo.
Mas não me conformo por ter sido por tão pouco tempo.
É certo que ele vai estar sempre vivo em nós, enquanto por cá andarmos.
Mas não chega...
Beijinho grande, Zé.
Minha querida Ana,
Não chega, é verdade!
Daí esta dor imensa e intensa, que não tem palavras, tal a saudade que fica! Mas, a quem o digo...
E também eu não pensei vir a escrever aqui, local de tantas partidas e comentários, um texto como este.
Outro grande beijinho.
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